Urariano Mota * Para os Índios Tabajaras
Resgatar aos ouvidos, porque na lembrança e aos olhos, sempre me acompanhou Maria Helena. As gerações mais jovens não sabem, mas os Índios Tabajaras tocavam violão elétrico, que deve ser, imagino, algo diferente da guitarra elétrica do rock. Se eram mesmo índios, eu não sei. Deviam ser, porque índio nunca esteve bem cotado no mundo de Cristo. Deviam ser, porque se não fossem índios, pra que diabo de marketing eles se apresentariam como se fossem? Os Índios Tabajaras, que eram dois, se mostravam em capas de discos, vinil, de 78 rotações, vestidos a caráter, com um cocar de chefe apache. E não riam, por favor. As coisas mais primitivas da infância se retomam assim, com todo o primarismo e ausência de cultura, e de civilização, ausente das idéias corretas, às vezes até falsamente corretas, que ganhamos na maturidade. Índios... Mas como tocavam bem! Que virtuosismo por cima da caracterização de índio de filme americano! Desculpem a concessão feita à informação, à razão, e à rima. Pois o que importa mesmo dizer não foi até aqui dito. O que importa é, ouçam, por favor, Maria Helena, e saibam, por favor, definitivamente, que recordar é uma forma de eternidade. Saibam, porque ouvindo Maria Helena eu soube, eu vim a saber que para nós mortais, que para todos nós que temos um fim certo, recuar no tempo, recordar, é a única e melhor forma de atingir a eternidade. Queremos dizer: o tempo passado, quando retomamos esse tempo passado, nós elastecemos a sua duração, o tempo passado deixa de ser passado, ele se faz presente, ele se projeta até mesmo em nosso futuro imediato, porque esse tempo que se foi está entranhado em nós, em nossos músculos, em nossa pele, em nosso suor. Ouçam e repitam Maria Helena, ao infinito. Penetrem enfim na eternidade. Pois que título, que nome bonito tem essa composição, bonito já a partir do nome mais belo e simples de nossa língua, Maria. Os demônios acharam pouco e acrescentaram, Helena. E então, a gente se pergunta: por que a lembrança, por que a recordação é sempre um processo de montagem? Por que, do passado, somente recordamos o que mais nos comove, como se o passado tivesse sido um paraíso? Ou melhor, por que até a lembrança de um sofrimento no passado nos leva até o absurdo de crer que era bom sofrer naquele tempo? Por que excluímos de tal maneira os gritos que demos e os chicotes e os pontapés que sofremos? Por quê? E então perguntamos, importa mesmo lembrar esse sofrimento escuro quando a gente possui a felicidade de Maria Helena? Importa mesmo lembrar tais porradas quando temos a associação desse nome a uma certa namorada, que tivemos ou sonhamos ter, de blusa de organdi, azul, com bolinhas brancas, com o perfume Desejo, em uma noite no escuro no subúrbio, na cidadezinha perdida, no interior de onde viemos? Pois estamos sempre voltando. Pois queremos ser eternos. Toquem por favor outra vez Maria Helena. * Escritor, autor do romance Os Corações Futuristas
Apresentação, na falta de melhor termo
O sonho que ele teve foi tão mirabolante, tão sem pé e sem cabeça, que um resto de pudor me faz um impedimento. Por cima, eu direi apenas que no sonho afloravam letras da terra, do chão, para ensiná-lo a escrever o meu nome, o meu e o da minha irmã, que se chama Urariana, nascida 5 anos depois. O fato, dizendo melhor, o outro fato, pois todo sonho é real, um dos fatos é que nasci, e me criei no Recife, aí por volta de 29 do 9 de 1950. Dizendo melhor, nasci e me criei em Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Na época, os bairros eram mais distantes do centro e realizavam quase todas as nossas necessidades. Dizíamos então, “vou à cidade”, quando queríamos dizer que íamos ao centro do Recife. E o centro do Recife era imenso, era outra cidade. Mais tarde, iniciei um curso de Direito, e, para não me alongar muito, dele me vi obrigado a desistir. Iniciei então um de matemática, e fizeram-me, a estupidez e a estreiteza de alguns mestres, dele desistir. Aí, para ter alguma graduação universitária, fiz jornalismo, um dos piores cursos que um ser humano pode fazer. Falo, claro, de minha experiência, que não deve ser tão diferente assim da de outras cidades. Vi que jornalismo era um curso tão estreito e estúpido quanto o de matemática, com a diferença que, em jornalismo, a estupidez e a estreiteza são o próprio curso, enquanto no de matemática essas qualidades ficam para alguns mestres. A título de ressalva, esclareço que tenho amigos professores de jornalismo, que, inteligentes e éticos, devem concordar comigo. Eles me compreenderão, assim como os compreendo: a gente deve sobreviver de alguma maneira. Tenho 3 livros: 2 publicados e um inédito. Um romance, Os Corações Futuristas, publicado aqui no Recife. Uma novela, Japaranduba, 49, no site www.livrorapido.com.br, onde, para consegui-lo, os candidatos a leitor-vítima devem acessar o nome deste virtual que lhes fala. Feitas as contas, romance publicado no Recife, outro em site, e mais outro que ainda não viu a luz do dia, feitas as contas, fica este saldo: quem publica na província continua inédito. O que me redime, o que fica, honra e consola é a internet. Eu, que sempre resisti a esse avanço inegável da comunicação, que me deixava ficar em condição semelhante à de alguém que gritasse contra a eletricidade (imaginem um animal barbudo bradando essa pérola), para não morrer cheio de tristeza e raiva em Olinda, vim a publicar sistematicamente capítulos de Os Corações Futuristas, como se contos fossem, no site espanhol www.lainsignia.org. Desconfio que não foi por bondade do site, desconfio, mas confirmem por favor. Escrevo em português, sempre. Ora com raiva, ora com indignação, ora com ironia, ora com um coração sentimental, frouxo, que me deixa os olhos rasos dágua. Isto quase sempre acontece quando me lembro das pessoas a quem amei, cuja infelicidade eu não pude sufocar. No mais, é isso. Ou quase isso. O livro inédito, O caso Dom Vital, continua sem editor. |